Paraíba - Uma decisão da Justiça Eleitoral da Paraíba expôs uma grave manobra no processo eleitoral de 2024 em Itaporanga. A partir de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), foi reconhecida a existência de fraude à cota de gênero praticada pelo Diretório Municipal do Partido Progressistas. A sentença resultou na cassação de mandatos, anulação de votos e declaração de inelegibilidade de uma das candidatas.
A AIJE foi proposta por Wilka Rodrigues de Medeiros e teve como foco a suposta candidatura fictícia de Ellenice Emilly Ramalho Pinto, que obteve apenas um voto, não realizou campanha efetiva e declarou movimentação financeira mínima. Ela é conhecida na cidade por ser filha de Edmilsinho, famoso seresteiro da região.
Para o Ministério Público Eleitoral, a candidatura foi registrada apenas para simular o cumprimento da exigência legal de pelo menos 30% de candidaturas femininas, conforme prevê a Lei nº 9.504/1997.
Fraude comprovada por três elementos
Na manifestação oficial, o Ministério Público Eleitoral apontou três fatores que, juntos, comprovariam a fraude à cota de gênero: votação inexpressiva, prestação de contas padronizada e ausência de atos efetivos de campanha.
A candidata arrecadou apenas R$ 200,00, sem registrar despesas típicas de campanha, como produção de material gráfico, combustível ou propaganda. Além disso, o cartório da 33ª Zona Eleitoral confirmou que não houve qualquer comunicação formal de atos de campanha eleitoral em nome da candidata.
A Justiça também considerou que os registros financeiros de Ellenice foram idênticos aos de outra candidata do partido, Mariana Xavier Gomes, o que indicaria uma padronização artificial e sem autenticidade.
Sentença atinge toda a chapa
Com base na Súmula nº 73 do TSE, que trata da caracterização da fraude à cota de gênero, a Justiça Eleitoral decidiu pela cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Progressistas – Itaporanga/PB, o que resultou na anulação de todos os votos da legenda e na cassação dos diplomas de todos os candidatos e suplentes do partido.
Entre os nomes envolvidos estão Francisco de Assis Crizanto, Marcio Jose Gomes Rufino, Mariana Xavier Gomes, Olívio Gomes de Carvalho, Ivo Teixeira de Araújo Filho, Ricardo Rangel Pinto da Silva (eleito), Romildo Rodrigues de Lima e Sherliane Liara da Silva Ferreira.
Além disso, a Justiça decretou a inelegibilidade de Ellenice Emilly por oito anos, por ter concorrido para a prática da fraude, conforme previsto na Lei Complementar nº 64/1990.
A decisão
O Ministério Público Eleitoral defendeu que a fraude à cota de gênero foi comprovada e recomendou que a Justiça mantenha a decisão que cassou os mandatos, rejeitando o recurso dos acusados.
“Diante do exposto, e com base no robusto conjunto probatório e na sólida fundamentação jurídica apresentada, o Ministério Público Eleitoral manifesta-se pela procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral e pelo desprovimento do Recurso Eleitoral”.
Confirmação da sentença e novas movimentações
Na segunda-feira ada, 9 de junho de 2025, o desembargador relator do caso indeferiu o pedido feito pela defesa do vereador Ricardo Pinto, que solicitava efeito suspensivo e devolutivo à decisão. Na prática, isso significa que a sentença da juíza de primeiro grau, que reconheceu a fraude à cota de gênero e cassou os diplomas, permanece válida enquanto o recurso ainda está pendente de julgamento definitivo.
Além disso, o desembargador determinou a abertura de vistas ao Ministério Público Eleitoral junto ao TRE-PB, que agora deverá emitir parecer sobre o recurso interposto.
Defesa recorre e nega fraude
Os investigados recorreram da decisão, alegando que a baixa votação da candidata não é, por si só, indicativo de fraude. A defesa argumenta que Ellenice enfrentou dificuldades de estrutura de campanha e que houve divulgação de sua candidatura por meio de familiares em redes sociais. No entanto, o Ministério Público considerou as provas insuficientes para descaracterizar o caráter fictício da candidatura.
A importância da cota de gênero
A legislação eleitoral exige que os partidos preencham, e não apenas registrem, no mínimo 30% de candidaturas de cada sexo nas eleições proporcionais. Trata-se de uma ação afirmativa essencial para a promoção da igualdade de gênero na política.
Fraudes como a de Itaporanga — as chamadas “candidaturas laranjas” — representam uma afronta direta a essa política de inclusão. Para o Ministério Público, permitir que mandatos obtidos por meio de chapas fraudulentas sejam mantidos seria “um precedente perigoso”.
“A fraude à cota de gênero compromete a própria validade do registro coletivo do partido, invalidando todos os registros e, consequentemente, os diplomas dos candidatos eleitos e suplentes que se beneficiaram dessa fraude. Permitir a manutenção dos mandatos obtidos por meio de uma chapa fraudulentada seria um precedente perigoso, que desrespeitaria os princípios da lisura eleitoral e da igualdade de oportunidades”, argumenta o Ministério Público.
A decisão reafirma o compromisso da Justiça Eleitoral com a lisura do processo eleitoral e a integridade da representatividade feminina, impondo consequências severas a práticas que tentam burlar a legislação.